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 +==== A DITADURA MILITAR ATRAVÉS DO OLHAR INFANTIL: REPRESENTAÇÕES E IMAGINÁRIO SOCIAL NO FILME O ANO EM QUE MEUS PAIS SAÍRAM DE FÉRIAS (2006) ====
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 +Oficina do Historiador, Porto Alegre, EDIPUCRS, v. 7, n.2, jul/dez. 2014, p. 173-196. \\
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 +//RESUMO: Neste estudo refletimos sobre as representações presentes na obra fílmica O ano em que meus pais saíram de férias (2006), de Cao Hamburger, considerando a relação entre História e Cinema, a partir de elementos como o imaginário social acerca da ditadura militar e o cotidiano histórico inerente aos anos de chumbo no Brasil. A análise busca no olhar infantil da personagem principal da narrativa as representações simbólicas pelas quais o regime militar afetou a cotidianidade dos indivíduos. Neste sentido, valendo-nos dos conceitos trazidos pela Nova História Cultural e tendo a pesquisa bibliográfica e a análise de imagens em movimento como metodologia do estudo, buscamos as aproximações das representações sociais, do imaginário e do cotidiano inerentes à ditadura militar no Brasil. //
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 +Este estudo tem por objetivo analisar as representações sociais e o imaginário referente à Ditadura Militar no Brasil construídas pela narrativa fílmica O ano em que meus pais saíram de férias (2006), do cineasta Cao Hamburger, levando em consideração o enfoque que a obra traz, ou seja, a representação do regime ditatorial através do olhar do garoto chamado Mauro. Parte das vivências dessa personagem estão, diretamente, relacionadas com o regime político em questão, em que pesa o fato do garoto não compreender, efetivamente, o que se passa no país. O enfoque dado pelo filme pode ser percebido como distinto das demais produções audiovisuais que abordam esse período da história brasileira fato dema infantil problematiza aspectos ligados a cotidianidade e subjetividade dos indivíduos, supostamente, “não afetados” pelo processo sociopolítico inerente à ditadura brasileira, como veremos adiante. Acreditamos que a visão do garoto, construída pelo filme, fornece imagens representacionais que permitem pensar sobre a maneira como a ditadura impactou a vida de diferentes sujeitos, bem como refletir acerca das formas simbólicas pelas quais o regime adentrava a cotidianidade das personagens.
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 +Para tanto, nossa base teórica está centrada nos estudos referentes à representação social, através dos conceitos trazidos por autores como Roger Chartier (1990; 2002) e Denise Jodelet (2001) e no que concerne ao imaginário social, sob a lógica de Bronislaw Backzo (1985) e Gilbert Durand (2011). Também nos apropriaremos do conceito de cotidiano e suas aplicações, por meio da discussão proposta pela filósofa Agnes Heller (2000), a fim de perceber a cotidianidade como uma variável histórica que define a historicidade dos atores sociais e suas redes de relação societária com os processos históricos em que estão incursos. 
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 +Nesse grupo estão presentes filmes como “Eles não usam Black-Tie” (1981), “Pra frente Brasil” (1982), “Lamarca” (1994), “O que é isso companheiro?” (1997), “Cabra-cega” (2005), “Batismo de Sangue” (2006) e “Zuzu Angel” (2006), entre outros e muitos documentários como “Hércules 56” (2006), “Tempo de resistência” (2003) e “Uma longa Viagem” (2011), entre outras obras de caráter documental. Tais produções abarcam vários aspectos desse período e o que as aproxima é o modo denunciativo que a grande maioria detém, buscando trazer a tona os crimes cometidos pelo regime contra a sociedade civil e/ou elucidar a narrativa fílmica como um dipositivo de memória. Em sua maioria, assumem um enfoque, essencialmente, político, apresentando o regime ditatorial de forma direta através de representações cinematográficas acerca de sua doutrina de segurança nacional, seu aparato repressivo, sua formatação político-ideológica e as formas de oposição ao sistema autoritário, quase sempre na forma da resistência armada. Esse direcionamento focal se dá, segundo Cristiane Alves (2004), pela possibilidade de uma maior assimilação em relação ao que é apresentado na tela, uma vez que “os espectadores que demonstram maior intimidade com a linguagem cinematográfica parecem interagir com os filmes de maneira mais autônoma, já que identificam mais facilmente a relação entre os modos de codificação daquela linguagem e as mensagens que a ela veicula” (ALVES, 2004, p. 47). \\
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 +Nesse sentido, interessa-nos aplicar a teoria elencada para nosso estudo ao encontro do objeto fílmico, refletindo assim sobre as representações presentes no longa-metragem. 
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 +Desse modo, selecionamos cinco cenas que se relacionam a essa temática e que apresentam as questões supracitadas. São momentos da narrativa em que o cotidiano do garoto e das personagens que com ele relacionam-se foi, mesmo que indiretamente, afetado pela conjuntura política autoritária. Assim, para prepará-las, a fim de serem analisadas, faremos uso da proposta metodológica de Diana Rose (2011) que indica um conjunto de conceitos e de técnicas que servem de orientação na análise de variadas representações sociais e seus significados no mundo audiovisual. A autora propõe que se exponha a dimensão visual e verbal de cada cena, tornando-a uma unidade passível de análise. Tais informações são organizadas em quadros, juntamente com a sinopse, o tempo e imagens das cenas. Dessa forma, delinearemos a análise em congruência com o contexto próprio a Ditadura Militar no Brasil, fazendo necessário apresentar o cenário histórico que o filme pretende retratar para poder, posteriormente, discuti-lo a partir da narrativa cinematográfica. 
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 +Contudo, buscamos ultrapassar a análise, fundamentalmente, estética e artística do filme, percebendo o cinema enquanto narrativa e evento cultural, ou seja, enquanto “prática social”, como conceitua Graeme Turner (1997). Segundo esse autor, através dos códigos presentes em suas narrativas, discursos e significados, o cinema pode identificar evidências do modo como a sociedade dá sentido a si própria e à realidade da qual faz parte. Assim, afirma que a obra cinematográfica não reflete e nem registra a realidade, mas, como qualquer meio de representação, ela constrói e “re-apresenta” seus quadros de realidade. Não o faz de modo neutro, mas “incorpora as tecnologias e os discursos da câmera, iluminação, edição, montagem do cenário e som – tudo contribuindo para o significado” (TURNER, 1997, p. 56). Justamente, reapresentar a realidade ditatorial é o que prentendemos abarcar neste estudo, refletindo sobre as representações acerca da Ditadura Militar no Brasil, tendo um objeto audiovisual como fonte de análise. 
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 +**História e fontes audiovisuais: diálogos, desafios e possibilidades epistemológicas **
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 +Cinema e História tem estreitado os seus laços, problematizando a pesquisa em uma perspectiva interdisciplinar ao compartilhar fontes, teorias e métodos. Cristiane Nova (1996), nesse sentido, destaca que mesmo que as relações entre essas duas áreas não sejam recentes, foi somente a partir da década de 1970 que o filme começou a ser visto como um possível documento para a investigação histórica, através da nascitura de uma outra perspectiva historiográfica que passou a validar novos objetos e novas abordagens no ofício do historiador, sob o viés da Nova História Cultural.
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 +As fontes audiovisuais são novas e desafiadoras para a História, diz Marcos Napolitano (2011). O autor explica que seu estatuto é paradoxal, ou seja, se por um lado, as fontes como o cinema, a televisão e os registros sonoros em geral são considerados por alguns, testemunhas quase diretas e objetivas da História, contendo um alto poder ilustrativo, por outro, são percebidos sob o estigma da subjetividade absoluta, ou seja, vistos por sua natureza assumidamente artística, sem qualquer compromisso com o real. Oscilam, assim, entre subjetividade e objetividade. No entanto, o pesquisador diz também que a questão é as perceber em suas estruturas interiores de linguagem e em seus mecanismos de representação da realidade, a partir de seus códigos internos. Desse modo, objetividade e subjetividade não seriam a preocupação de maior relevância ao historiador, mas sim a busca por elementos narrativos que poderiam ser sintetizados na dupla pergunta: “o que um filme diz e como ele diz?”. O autor propõe então que se analise um filme antes como um conjunto de elementos, convergentes ou não, que buscam encenar uma sociedade, seu presente ou seu passado, nem sempre com intenções políticas ou ideológicas explícitas. É certo que essa “encenação fílmica da sociedade pode ser realista ou alegórica, pode ser fidedigna ou fantasiosa, pode ser linear ou fragmentada, pode ser ficcional ou documental” (NAPOLITANO, 2011, p. 276). Em outras palavras, como qualquer outra fonte histórica o filme está sob o jugo da inferência do historiador. Em tal aspecto, faz-se necessário contrapor a fonte com o seu contexto de produção bem como com as formas que esta fabricação apresenta o período histórico retratado, visto que uma obra fílmica 
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