Poemas

Cântico a um deus de alcatrão

Ao António Bronze

Máquina começou trabalhar
com sol
com chuva
com farinha e feijão
máquina começou abrir chão.

Lua escondeu coração
saiu ouro
saiu pedra de lapidação
saiu barco cheio de máquina gente no porão
saiu notícia de menino morto boneco de carvão
saiu Cadillac novo de patrão.

Máquina começou trabalhar
com farinha de pilão
nasceu milho
nasceu machamba de feijão
nasceu máquina grande
nasceu pequenino deus de alcatrão.

Máquina começou trabalhar
máquina está trabalhar
até um dia enraivar
com farinha de pilão!…

José Craveirinha, Xigubo, Obra Poética I p.44

É inútil chorar

É inútil mesmo chorar:
«Se choramos aceitamos. É preciso não aceitar.»
Por todos os que tombam pela verdade
Ou que julgam tombar.
O importante neles é já sentir a vontade
De lutar por ela,
Por isso é inútil chorar.

Ao menos se as lágrimas
Dessem pão,
Já não haveria fome.
Ao menos se o desespero vazio
Das nossas vidas
Desse campos de trigo.
Mas o que importa
É não chorar:
«Se choramos aceitamos. É preciso não aceitar.»

Mesmo quando já não se sinta calor
É bom pensar que há fogueiras
E que a dor também ilumina.
Que cada um de nós
Lance a lenha que tiver,
Mas que não chore
Embora tenha frio:
«Se choramos aceitamos. É preciso não aceitar.»

(António Cardoso, Angola, 1958)